O cão mais leal do mundo

“Nos encontramos no Hachiko” talvez seja a frase mais comum entre amigos que marcam um ponto de encontro em Shibuya, bairro jovem, de lojas e bares de Tóquio. Pelo menos entre estrangeiros, a segunda mais comum talvez seja “O que é Hachiko?”.
Desde que cheguei na terra do sol nascente tenho me fascinado com estátuas antigas de samurais, ora trajados em imponentes armaduras, ora montados em elegantes cavalos. Todas elas com gloriosas histórias, como se espera de alguém que foi imortalizado num objeto de arte. Porém, imaginem minha surpresa ao constatar que a Hachiko que não é nada mais, nada menos do que a estátua de um cachorro.
Muitos japoneses admiram a estátua, que é um dos pontos turísticos da cidade. É comum ver jovens estudantes e turistas posando para fotos com Hachiko.
Confesso que a primeira vez que cheguei ao famoso ponto de encontro, nem percebi que havia uma estátua ali, tamanha a concentração de gente. Haviam tantas pessoas que não dava nem para andar! Fiquei a imaginar por que marcar num ponto de encontro onde todo mundo marca. Não seria mais fácil combinar onde não tem ninguém? E também não entendi o motivo de ter de ser essa estátua do cachorro, sendo que há um monte de outras mais legais na região. Talvez  por ser kawai? (fofinho, os japas adoram). Depois de conhecer a história do cachorro, porém, entendi por que não existe lugar melhor para se encontrar alguém do que junto ao Hachiko.

 Hachiko (lê-se ra, como em rato - ti - co) é o nome de um cachorro da raça Akita, típica do Japão, e que pertenceu a Hidesaburō Ueno, um professor da Universidade de Tóquio que se mudou para o bairro de Shibuya em 1924. Hachiko era muito querido pelo Professor Ueno e demonstrava seu afeto acompanhando todos os dias seu mestre até a estação de trem. No final da tarde, quando o professor retornava da universidade, Hachiko voltava e o esperava em frente a estação. Os dois então voltavam juntos para casa.
A rotina continuou naturalmente até maio do ano seguinte, 1925, quando Professou Ueno sofreu um ataque na universidade e faleceu subitamente. Não é difícil imaginar seu fiel cão, Hachiko, esperando seu retorno por horas em vão naquele trágico dia. Ele tinha 18 meses nessa época.
Depois da morte de seu dono, Hachiko foi confiado as outras famílias, amigos e parentes de Ueno. Aflito, ele frequentemente fugia à procura de seu dono.  Ao perceber que o professor já não estava mais na casa onde morava, Hachiko resolveu esperar em seu antigo ponto de encontro: em frente à estação de trem de Shibuya. E foi como a lenda começou.
Hachiko voltava pontualmente no mesmo horário que parava o trem que outrora trazia seu dono. Sentava-se à frente da saída e esperava seu dono surgir entre as centenas de pessoas que saíam dos vagões. Os dias foram passando, viraram semanas, meses e anos. Alguns passageiros que já conheciam a cachorro por tê-lo visto em companhia de seu dono foram tocados pela devoção de Hachiko e passaram a trazer alimento para consolar a espera que nunca teria fim.
E assim foi por 10 anos, até 8 de março de 1935, quando Hachiko finalmente não apareceu para esperar seu mestre, já que o havia encontrado no além-vida.
A história tocou o coração dos japoneses e Hachiko virou símbolo de lealdade, sendo usado como modelo para educar crianças em escolas. Graças a essa fábula verídica, os cães de sua raça, Akita, viraram febre no Japão e foram salvos de uma quase extinção. Um famoso escultor japonês ergueu o momumento em memória a tocante história de amor entre um cachorro e seu dono e a estátua de bronze é hoje um dos mais importantes pontos de encontro de Tóquio.
É uma história fascinante e que me inspirou a escrever um artigo na Wikipedia, que traduzi do inglês e que recomendo para quem quiser mais detalhes. Além disso encontrei um vídeo que resume toda a história numa riqueza imensa de detalhes. Vale a pena assistir (deixe os lenços de papel por perto)!
http://www.youtube.com/watch?v=P3s11acb7Z8&feature=player_embedded
Já fazia tempo que queria postar essa história. Pelo menos antes da adaptação americana de Richard Gere. Até aprecio a consideração que Holywood teve pela história do cachorrinho, que já tem mais de 70 anos. Prefiro não pensar que fizeram só por causa da crise de roteiros originais e esperar que eles não estraguem tudo. Eu realmente sou apaixonado por essa história e acho que tem mesmo que espalhar para o mundo todo.
 Curiosidades: A estátua original foi derretida para abastecer as fábricas balísticas durante a Segunda Guerra Mundial, a atual foi refeita a partir do molde da antiga. Os restos mortais de Hachiko foram empalhados e podem ser vistos no Museu de História Natural em Ueno. Porém, sua carne foi cremada e enterrada junto com seu querido mestre e jaz no requintado Cemitério de Aoyama.

Spoiler do filme: A história se passa em Connecticut dos dias atuais e o cão, chamado apenas de Hachi (o “ko” no japonês tem o sentido de “pequenino”) é trazido do Japão. Abandonado nas ruas, logo é adotado por um professor chamado Parker (Gere) e os dois se tornam grandes amigos. Há boatos que o ator japonês Ken Watanabe (de “Último Samurai”) apareça no filme.
Para assistir: O filme “original” japonês se chama “Hachiko Monogatari” (A história de Hachiko) e é de 1987.


 "Postagem dedicada a Maxwell Mota de Almeida"

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